Neste dia 9/12 duas datas importantes são celebradas, como forma de homenagem trazemos esta entrevista.
Hoje, 9 de dezembro, é celebrado o dia do fonoaudiólogo e o dia nacional da criança com deficiência. Como forma de homenageá-los, conversamos com a fonoaudióloga Valéria Mondin, profissional que atua na área de atendimento de pessoas com síndrome e alterações neumotoras, no CEPEC SP. O local é referência no atendimento de crianças com a trissomia 21 e em áreas diversas, além de oferecer cursos e especializações. Confira abaixo:
Nosso Olhar: Gostaria que se apresentasse e falasse do início de sua carreira até aqui.
Valéria: Sou Valéria Mondin Alabarse dos Santos, fonoaudióloga clínica do Centro de Estudos e Pesquisas Clínicas de São Paulo- CEPEC SP. Fiz graduação em Fonoaudiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), onde tudo começou, pois naquela época precisávamos escolher a área de interesse e optei pelo atendimento de pessoas com síndromes e alterações neuromotoras. Dando continuidade aos estudos, fiz o mestrado em Ciências, também pela FMUSP, especialização em síndrome de Down pelo CEPEC e UNAES e, atualmente, estou cursando Psicopedagogia Educacional pela FMU.
NO: Pode falar o sobre o seu trabalho com crianças com deficiência?
Valéria: Ao longo dos anos, busquei compreender como as crianças com déficit intelectual aprendem; como se dá esse processo; quais aspectos estão envolvidos; como funciona o sistema atencional, a memória, a linguagem, pois esses são elementos relevantes quando queremos que eles aprendam algo. A importância das vivências e experiências, para que a aprendizagem se consolide. Refiro-me à aprendizagem linguística-cognitiva, fala e comportamento, ou seja, qualquer forma de conhecimento, ligado à fonoaudiologia, que o indivíduo necessita. A criança precisa vivenciar os conteúdos propostos e precisamos considerar não só suas dificuldades, mas suas habilidades também. A comunicação é o nosso grande objetivo e comunicar vai além do falar. É permitir e viabilizar que as crianças expressem seus desejos e necessidades da maneira que for possível: gestos, mímicas e expressões faciais, fala, escrita e comportamento. Para isso, será importante o trabalho desde o nascimento, com orientações à família e intervenções com as crianças, explorando além do desenvolvimento da linguagem e cognição, as funções e estruturas ligadas à sucção, mastigação, deglutição e respiração, adequando-as, quando necessário; estimulando as posturas de língua e lábios, pois estes aspectos terão reflexos na fala dos indivíduos. A alimentação será orientada e estimulada durante o aleitamento, nas mudanças de alimentos e consistências e nos tipos de utensílios que devem ser utilizados em cada fase da criança. Na idade escolar, a linguagem escrita será estimulada pelo fonoaudiólogo, auxiliando o processo de alfabetização, quando iniciado na escola. O acompanhamento da audição e visão também faz parte do trabalho, já que esses aspectos são importantes quando pensamos nas aquisições que a criança precisará fazer.
NO: Hoje você atua mais com crianças com síndrome de Down? Como começou a atuar nessa área?
Valéria: A maioria das crianças que atendo tem T21 (trissomia do 21), como nos referimos à síndrome. Mas, atendo outras síndromes também. Como disse, na graduação fiz a escolha de trabalhar na área. Não tive como motivação alguém próximo com T21, mas considero meu olhar importante, pois já temos as famílias com o olhar de quem tem alguém próximo, então, nos complementamos.
NO: Gostaria que você falasse do trabalho no CEPEC, vi que você é a responsável pelo setor de fonoaudiologia. Há métodos que vocês utilizam que são específicos para a síndrome de Down?
Valéria: No Cepec, seguimos a proposta neuroevolutiva. Consideramos que o organismo precisa estar preparado para receber determinados estímulos, então, vamos incentivando a criança ao controle de cabeça, ao sentar, arrastar, engatinhar e andar, propiciando, com essas mudanças de posturas, maiores possibilidades de ação da criança no seu meio, potencializando as aprendizagens. No processo de conhecimento, levamos em conta os pressupostos teóricos de Piaget, ao qual, de maneira bem geral, a criança constrói seu conhecimento na interação com as coisas e pessoas ao seu redor, sendo o desenvolvimento neuropsicomotor a base desse processo.
NO: Vi que você fez cursos sobre Psicomotricidade e cognição na Síndrome de Down e Terapêutica nos processos de comunicação da Síndrome de Down. Pode falar sobre esses temas?
Valéria: Na verdade, no mestrado, estudei o desenvolvimento da cognição e linguagem na T21. Acompanhei o desenvolvimento das crianças por um longo período, tentando compreender como elas brincavam e usavam a linguagem oral durante essas brincadeiras. Atualmente, estou fazendo pós em Psicopedagogia Educacional, estudando dentre outros aspectos, as contribuições da Programação Neuro-Linguística (PNL) nas aprendizagens, as múltiplas inteligências, a importância da aprendizagem significativa para as crianças, assuntos relevantes e que estão contribuindo para minha formação.
NO: Outro tema que as pessoas costumam perguntar é sobre a apraxia. O que é exatamente? Como é trabalhada? E quais são as características da apraxia?
Valéria: Apraxia é uma alteração de fala, uma dificuldade no planejamento necessário para produzir e sequencializar os sons da fala. De maneira sintetizada, a fala é trabalhada, com repetições, a partir de sons ou palavras que a criança tem dificuldade de emitir, pois houve uma falha na integração de informações sensoriais e motoras. Conhecer tudo que se relaciona à fala e suas alterações faz parte do trabalho do fonoaudiólogo especialista em T21. Costumo dizer que essas crianças já tem um diagnóstico, sendo, desde sempre, as alterações de fala uma das características trabalhadas. Precisamos considerar que na T21, a hipotonia e o déficit intelectual irão influenciar o trabalho com a fala e sua eficácia, uma vez que influenciarão as habilidades de atenção, memória, comportamento e o desenvolvimento da cognição e linguagem.
NO: Você já atuou junto ao setor de Fonoaudiologia do Hospital Estadual Infantil Darcy Vargas, com atendimento especializado às síndromes e alterações sensório-motoras. Além do Darcy tem mais algumas referências que você pode indicar para as famílias que não têm condições para pagar?
Valéria: Em São Paulo, temos a Rede Lucy Montoro como referência ao atendimento público e multidisciplinar. Na época em que trabalhei no Hospital Darcy Vargas tínhamos o ambulatório com atendimento clínico, individual ou em grupo, mas esse serviço, infelizmente, foi extinto. Agora, não saberia dizer como é o atendimento lá.
NO: Deseja explorar algum assunto não citado ou até mesmo deixar uma mensagem?
Valéria: Acho que o assunto atual é a autonomia na T21 e precisamos levar isso a sério, trabalhando com as crianças desde bem pequeninas para que de fato elas tenham a desejada autonomia. A criança com T21 costuma estar em um ambiente super protetor com modelos que tendem a infantilizá-la. É preciso olhar para eles e visualizar um indivíduo que terá como limite o limite do outro. Regras e modelos de condutas serão importantes e seguidos por eles. Eles imitarão o modelo que for apresentado, portanto, será extremamente importante usar a fala adequadamente, sem infantilizações, ter reações de firmeza, sem agressões, permitir que realizem as atividades do cotidiano cada vez com mais autonomia, como comer, tomar banho, entre outros. As famílias ficam preocupadas se estão oferecendo tudo que podem e na verdade a contribuição vem quando percebem que seus filhos cresceram, dando-lhes oportunidades, limites e autonomia.
Queria aproveitar para parabenizar todas as colegas fonoaudiólogas pelo nosso dia. Toda luta que temos para divulgarmos nosso trabalho que é sério e pautado em ciência.