Nasce uma história de luta pelos direitos das pessoas com Trissomia 21

 

Um dos fundadores da Associação UP Down – fundada em junho de 1992, em Santos -SP, o advogado Antonio Carlos Sestaro, é casado com a Vilma C. Sestaro e pai de dois filhos, Rafael de 39 anos e Samuel de 30 anos. O caçula tem síndrome de Down e, desde então, é sua grande motivação para lutar pelos Direitos das pessoas com trissomia 21.

Sestaro também é um dos idealizadores da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down e fez parte de sua criação, onde está como presidente hoje. Para conhecer um pouco sobre a construção dessa instituição que completou 26 anos nesta quinta-feira (13) e entender o trabalho feito até aqui, ele respondeu as nossas questões. Abaixo, conheça um pouco mais sobre a Federação Down, como é conhecida.

                                           IV Congresso Brasileiro sobre Síndrome de Down

ONG Nosso Olhar: Pode contar um pouco sobre a História da Federação (início, dificuldades, evolução, apoios)?

Antonio Carlos Sestaro: A história da Federação começa em outubro de 1992, durante a realização de I Congresso Brasileiro sobre Síndrome de Down, realizado em São Paulo/SP, pelo Dr. Zan Mustachi.

Naquela oportunidade, um grupo de pessoas de várias Associações do Brasil, reunidos numa sala, perceberam, durante as conversas, que as dificuldades e soluções poderiam ser compartilhadas entre todas as Associações, facilitando com isso, a vida das pessoas com Síndrome de Down. Aí surgiu a ideia da Federação, que tinha como objetivo congregar e fortalecer as Associações do Brasil. A Associação UP DOWN, de Santos/SP, ficou responsável de fazer os contatos para que a ideia avançasse.

Em agosto de 1994, durante o ‘Primer Congreso Nacional sobre Síndrome de Down‘, realizado em Buenos Aires/Argentina, um grupo de pessoas lá presentes, voltando ao tema “Federação”, formaliza a criação de Federação, elegendo uma Diretoria provisória.

Em junho de 1995, durante a realização do II Encontro Mineiro sobre Síndrome de Down, em Belo Horizonte/MG, a Diretoria provisória reuniu-se para eleger a primeira Diretoria Efetiva da Federação, sendo eleita: Presidente – Maria Madalena Nobre Mendonça (Associação Pro Down – Brasilia/DF) – 1º Vice-Presidente – Antonio Carlos Sestaro (Associação UP DOWN – Santos/SP) – 2º Vice-Presidente – Maria Thereza Almeida Antunes (Associação ASPAD – Recife/PE). Decidiu-se eleger uma pessoa de Brasília em razão das decisões políticas do país estar centrada naquela cidade. A sede da Federação é em Brasília/DF, até hoje.

O Objetivo principal da Federação foi congregar e fortalecer as Associações do país. Esse fortalecimento iria permitir uma maior defesa dos direitos das pessoas com Síndrome de Down e acompanhar as políticas públicas objetivando sempre uma melhor qualidade de vida para essas pessoas.

A Federação nasceu sobre o princípio da INCLUSÃO, que naquela época pouco se falava, tendo a Federação enfrentado muitas dificuldades para se fazer entender. Não se pode deixar de observar que essas mesmas dificuldades são encontradas até hoje, ou seja, após 26 anos, a luta pela inclusão das pessoas com deficiência no sistema educacional inclusivo é permanente, mesmo após a Convenção da ONU e a LBI.

No início dos anos 2000, debatemos vários artigos da Constituição de 1988, como o termo “preferencialmente” do artigo 208, sempre no entendimento da inclusão de todos.

Fizemos várias “oficinas jurídicas” para analisar e propor alterações no Código Civil daquela época (ano 2000).

Realizamos vários cursos de Capacitação de Professores para a Educação Inclusiva em várias cidades do Brasil.

Realizamos vários Congressos Brasileiros sobre Síndrome de Down, já a partir de 1997, com participação de profissionais do Brasil e de várias partes do mundo, sempre trazendo os avanços e conquistas na área das pessoas com Síndrome de Down, tanto na área da saúde, da educação, da sexualidade, da empregabilidade e outras.

Realizamos vários Seminários sobre Síndrome de Down e 2 Encontros Latino Americano.

Realizamos o I Seminário de Capacitação de Gestores e Profissionais em Síndrome de Down.

Enquanto membro do CONADE, sempre encontramos, à época (anos 90), apoio da então CORDE (Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência) e do Ministério Público Federal, em especial quando o tema era inclusão das pessoas com deficiência no sistema educacional existente.

NO: Pode falar sobre esse cenário de pandemia para as pessoas com síndrome de Down e sobre o estudo sobre Covid-19?

Sestaro: Logo no início de mês de março, a Federação publicou um vídeo solicitando a todas as Associações e movimentos ligados a Síndrome de Down, para que cancelassem todos os eventos, encontros e manifestações previstas para o dia 21 de março, que é o DIA MUNDIAL DA SÍNDROME DE DOWN.

Já naquela época (16/03), solicitamos um isolamento social de forma a que buscássemos  preservar a saúde das pessoas com Síndrome de Down e seus familiares, e assim evitar o aumento das contaminações.

A Federação fez doação de máscara para profissionais da saúde para o Hospital Darcy Vargas em São Paulo.

No dia 20 de março, encaminhamos ofício ao então Ministro da Saúde, solicitando a inclusão das pessoas com deficiência no primeiro lote de vacinação do H1N1 Influenza, já que não foi previsto pelo Ministério.

No início de abril, publicamos uma Nota, elaborada pelo nosso Comitê Jurídico, onde manifestamos, aos governantes, em especial da área da saúde, nossa preocupação no sentido de que as pessoas com deficiência não fossem “preteridas” no uso de “ventiladores” , no caso de ter o médico apenas um ventilador e duas pessoas para atender, sendo uma delas com deficiência. Que não fosse a presença da deficiência sua decisão inicial para a exclusão, que neste caso extremo, todas as possibilidades fossem analisadas, tratando igualmente as duas pessoas para a decisão final.

Com total apoio do Instituto Alana e parceria com o Projeto Serendipidade, fizemos um Hotsite com várias perguntas e respostas, no site da Federação, sobre o COVID 19 e as pessoas com Síndrome de Down, com participação importante do Dr. Fábio Watanabe (pediatra) e Dr. Marcelo Altona (geriatra), além do nosso Comitê Técnico-Científico, com Dr. Ana Cláudia Brandão, Dra. Anna Paula Baumblatt e Dr. Dennis Burns contribuindo muito.

Nesse Hotsite, além das perguntas/respostas, temos também orientações gerais de cuidados e também informações de vários artigos já publicados sobre o mesmo assunto.

Iniciamos também um Estudo, em parceria com o T21 Reserach Society, que tem aqui no Brasil a Dra. Ana Cláudia Brandão como representante, com apoio do pesquisador Alberto Costa, ambos colaboradores do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Eistein de São Paulo. Referido Estudo tem como objetivo principal conhecer o comportamento das pessoas com Síndrome de Down, quando contaminadas pelo COVID 19.

NO: Até agora, o que se sabe? Vocês consideram que pessoas com síndrome de Down estão no grupo de risco? Qual é o posicionamento da Federação. 

Sestaro: Todas as perguntas e respostas que recebemos foram respondidas através do Hotsite que consta no site da Federação. Inicialmente, para a área médica, a pessoa com Síndrome de Down tem reagido igual a qualquer outra pessoa quando da presença do vírus.

A simples presença da Síndrome de Down não colocaria a pessoa no grupo de risco, porém, dado as suas particularidades, em especial quando acometidas de doenças na infância ou outras situações de maior vulnerabilidade, recomendamos maior atenção as pessoas com Síndrome de Down nessa época de isolamento, pois os riscos existentes e os cuidados devem ser observados.

NO: Como a Federação tem apoiado as instituições, quais são as recomendações que a Federação tem dado? 

Sestaro: No início da pandemia, a Federação procurou, junto com suas filiadas, tentar identificar dentre as famílias próximas que tinham pessoas com deficiência, aquelas em situação de maior vulnerabilidade, para que identificássemos uma forma de ajudar, seja com material de prevenção (máscaras, álcool gel, luvas), alimento, dinheiro, informações, entre outras possíveis. Esta ajuda, em especial naquele momento em que muitas pessoas perderam suas rendas imediatas.

A Federação contribuiu, logo no início da pandemia, com a doação de máscaras para os profissionais de saúde do Hospital Darcy Vargas em São Paulo.

As recomendações para as Associações são de que ajudem ao máximo aquelas famílias mais vulneráveis, pois a alimentação adequada nesse momento é fundamental para se ter resistência no organismo, que não façam eventos até liberação pelos órgãos de saúde e que prestem seus serviços sempre que possível observando os cuidados necessários a não contaminação.

Uma família já nos procurou, pois a filha tem síndrome de Down, passou por cirurgia no coração, mas o médico do posto de saúde da região disse que ela pode trabalhar normal. Como uma família deve agir num caso como esse, se para ser afastado do trabalho é necessário atestado médico?

Sempre que temos um diagnóstico médico e temos dúvida sobre ele, devemos buscar opinião de outro profissional da mesma especialidade, no caso, um cardiologista. Cada caso deve ser analisado pontualmente. Depois de feita a cirurgia, e nenhuma ocorrência anormal apresenta, não há, numa primeira análise, nenhum impedimento ao trabalho, devendo, logicamente, também se saber que tipo de trabalho será exercido.

Assim como qualquer outro trabalhador, as pessoas com Síndrome de Down devem, obrigatoriamente, apresentar atestado médico para afastar-se do trabalho, se o motivo do afastamento é problema de saúde.

NO: Pode falar sobre a atuação do Conade (Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência) e a Federação?

Sestaro: O CONADE é um Conselho que deve acompanhar todas as políticas públicas que envolvam as pessoas com deficiência no Brasil, fazendo com que as normas legais (Constituição, Convenção da ONU, LBI e outras) sejam rigorosamente observadas. É um Conselho paritário entre poder público e sociedade civil que acompanha, diariamente, as problemáticas envolvendo as pessoas com deficiência em nosso país.

Como já mencionado, a maior dificuldade que a Federação tem ainda como Conselheira no CONADE, é implementar totalmente a inclusão das pessoas com deficiência no sistema educacional inclusivo. Ainda existem barreiras a serem superadas. Já temos em torno de 90% das matrículas das pessoas com deficiência no sistema educacional comum, queremos atingir os 100% e para isso as escolas públicas de todas as cidades do Brasil deveriam cumprir a Lei Brasileira da Inclusão admitindo em suas salas de aulas todas as crianças com ou sem deficiência.

A Convenção da ONU, adotada pelo Brasil em 2008 com status de norma constitucional, define apenas um sistema educacional: Sistema educacional inclusivo.

NO: Quais são as principais conquistas da Federação, o que pode destacar?

Sestaro: Entendo que a Federação tem muito a comemorar nos avanços dos direitos das pessoas com deficiência no Brasil. O texto da Convenção da ONU traduz em muito tudo aquilo que a Federação já defendia e debatia a partir de 1996 em diante, sendo que a Convenção Internacional dos Direitos das pessoas com deficiência, adotada pela ONU em 13 de dezembro de 2006, teve o Brasil fazendo parte daquele processo de construção da Convenção, tendo apoiado e contribuído em todas as etapas da elaboração daquele tratado, desde 2002.

Tivemos algumas atuações pontuais, como segue:

  • Participação da construção do programa Viver Sem limites, destinado à garantia dos direitos das pessoas com deficiência no Brasil;
  • Atuação junto ao MEC no sentido de implementação de uma política de educação inclusiva no Brasil;
  • Definição das políticas públicas de atenção à saúde das pessoas com síndrome de Down, com destaque para a elaboração das Diretrizes terapêuticas do Ministério da Saúde;
  • Garantia às pessoas com deficiência intelectual, mental ou grave do direito de recebimento da pensão por morte do pai ou mãe acumulada com a remuneração de atividade vinculada ao Regime Geral da Previdência Social;
  • Participação na construção da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência;
  • Empenho em prol da mudança da Lei 8.112/90, para inclusão da pessoa com deficiência intelectual, mental ou grave como beneficiária da pensão por morte.

Não podemos deixar de mencionar a participação efetiva da Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE, do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência – CONADE, e várias entidades de defesa dos direitos, que foram incansáveis impulsionadores de um texto arrojado.

Hoje a Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down é filiada da: Down Syndrome International – DSI; da Federação Iberoamericana de Síndrome de Down – FIADOWN, da Rede Latino Americana de Organizações não governamentais de pessoas com deficiência – RIADIS e da Rede Regional de Educação Inclusiva da América Latina – RREI. Tem assento no CONADE e no Conselho Nacional de Saúde.

A Federação dispõe para apoio em assuntos específicos de: um Comitê de Educação, um Comitê Técnico Científico, um Comitê de Empregabilidade e um Comitê Jurídico.

A Federação é composta ainda por 5 Diretorias regionais (uma em cada região do Brasil) e tem um Grupo de Autodefensores formados por jovens com Síndrome de Down.

NO: Quer deixar algum recado? Alguma mensagem?

Sestaro: A mensagem que gostaria de deixar é que as Associações e Movimentos de pessoas com Síndrome de Down, no Brasil, busquem conhecer e entender a importância da Federação como entidade representante no Brasil da garantia dos direitos das pessoas com Síndrome de Down perante aos órgãos governamentais, em especial no âmbito federal, filiando-se à mesma, e com isso fortalecendo-a. JUNTOS SOMOS MAIS FORTES.

 


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