Um espaço seguro de compartilhamento entre irmãos de pessoas com deficiência.

Apaixonada por desafios e transformações sociais, é assim que a Débora Goldzveig, 33 anos, se apresenta. Ela é a idealizadora do Projeto Irmãos, que reúne irmãos de pessoas com deficiência e serve como uma grande rede de apoio, com trocas, aprendizados, acolhimento entre irmãos e um espaço para transformar a forma de pensar.

Débora estudou em colégio judaico, fez tecnólogo em Publicidade na FECAP, se formou em Propaganda e MKT. “Trabalhei em uma importadora de vinhos, agências de Publicidade, quando percebi que faltava um propósito maior na minha atuação (o trabalho dignifica o homem). Entre possibilidades de fazer Aliá (ir morar em Israel), acabei assumindo a coordenação de MKT da Unibes, hoje um grande centro referência em diversidade”, explicou ela.

Depois ela trabalhou com projetos incentivados de cultura e esporte, que beneficiavam pessoas em vulnerabilidade. Por quatro meses ela se aventurou exclusivamente empreendendo com o Projeto Irmãos, quando foi convidada para assumir a coordenação de Relações Institucionais na Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência (SMPED), gerida pelo Secretário Cid Torquato. Cargo que ela ocupa atualmente.

“Sou pós-graduada em Gestão de Mercados com ênfase em Inteligência de Mercados (ESPM); Inovação e Impacto Social pelo Amani Institute e tenho especialização em Essência da Facilitação e Mediação de pessoas com Deficiência”, detalhou ela. Atualmente, está cursando uma terceira pós-graduação em Práticas Inclusivas e Gestão das Diferenças no Instituto Singularidades. Sempre em busca da profissionalização do Projeto Irmãos.

“A grande força motriz desse meu ânimo de vida é meu irmão. David entre muitas outras características é Síndrome de Down, é muito esperto e sensível. Desde seu nascimento, tive que aprender a me doar e aceitar o rompimento de privilégios, fato inerente à fraternidade de forma geral”, contou Débora.

No decorrer dos anos ela começou a entender a importância da formação de redes de apoio. Então, desenvolveu um olhar mais analítico sobre o impacto do irmão/irmã como impulsionador da transformação na educação, na iniciativa privada, no vínculo familiar, na cultura, no esporte…. Você pode se perguntar, por que tudo isso? Ela responde:

“Ter um irmão com deficiência é um fato que está acoplado às nossas atitudes e decisões, direta ou indiretamente. Muda a forma como as pessoas te enxergam, muda a sua forma de se reconectar com o mundo. Desde cedo assumi o papel de “irmãe” o que futuramente acabou impactando de certa forma negativamente na minha relação de amizade com o David, pois sempre fui muito exigente com desenvolvimento dele em todos os sentidos, nunca deixando de acreditar em seu potencial. Um cenário positivo que estreitou muito a nossa relação de confiança mas desgastou a amizade simples, fluída, leve.

  Débora e ser irmão, o David.

Foi quando fundei o Projeto Irmãos, em 2014, no auge dos conflitos familiares. Desde então tenho compartilhado experiências em diversos momentos de vida de cada irmão que impactam diretamente nas conquistas que temos adquirido, no mundo da deficiência, mas principalmente com a amplitude de olhar, mudança de ‘mindset’ para uma sociedade mais equânime, empática e respeitosa. O Projeto Irmãos é um grupo que acolhe e olha para esses irmãos e seus conflitos, fala a respeito das habilidades desenvolvidas ao longo dessa convivência e a partir desse entendimento, ressignifica e oferece ferramentas para construção de um ecossistema plural”, completou ela.

Para conhecer a história desse projeto que traz um outro olhar, o olhar do irmão ou irmã, veja abaixo a entrevista cedida pela Débora:

    Árvore de habilidades – Projeto Irmãos

Nosso Olhar: Como começou o projeto? Você já tinha contato com outras famílias?

Débora Goldzveig: Começou em uma tarde de final de semana, após uma situação conflitante devido às constantes invasões de privacidade por parte do meu irmão, que na época era adolescente, e a falta de mediação familiar. Em outras palavras, me sentia injustiçada pelos meus pais, por constantemente relevarem as atitudes do David.

Foi então que, pedi ajuda da minha mãe com contatos dos grupos que meu irmão frequentava, para acessar os respectivos irmãos e avaliar se havia mais gente com a mesma angústia que a minha. Começamos em um grupo pequeno, de cinco pessoas. Nos reunimos cada vez na casa, escritório de um dos membros, bares, restaurantes… algo informal. Desde então, o grupo foi ampliando suas demandas e hoje temos aproximadamente 60 integrantes.

NO: Quais eram as principais demandas e necessidades desses irmãos?

DG: As demandas são as mais variadas: Liderança e diversidade, educação, autonomia, sexualidade, formas de comunicação, mediação, Inclusão, diversidade, capacitismo, moradias independentes, construção de redes de apoio, reconhecimento de competências, sustentabilidade financeira, formação profissional, cidadania, direitos e deveres, autoconhecimento, perdas, nutrição, esporte, cultura, acessibilidade, pesquisas, genética, saúde e envelhecimento… e ainda há muito mais a ser explorado!

A que se faz mais urgente hoje são questões relacionadas ao envelhecimento precoce e tomadas de decisões em relação ao futuro na falta dos pais.

   Árvore de sentimentos – Projeto Irmãos.

NO: Gostaria que você falasse um pouco da proposta. Pois é comum ver projetos que acolhem os pais, mas os irmãos são mais raros.

DG: Porém a maior demanda é o acolhimento. Acolher às dúvidas, angústias, sentimentos de raiva, medo, incertezas, pressão, tristeza e claro, saber compartilhar as alegrias!  Para isso, o Projeto Irmãos desenvolveu uma metodologia própria que trabalha constantemente na ressignificação dessas raízes, muitas vezes negativas ou até assintomáticas, “inodoras, amórficas”, para construção prática, da ação, da resiliência, do maior senso analítico, da sinceridade, cooperativismo, engajamento, tolerância, propósito, autonomia entre muitas outras competências.

Lembrando que estamos falando dos irmãos sem deficiência (ou típicos) – pois é muito fácil confundir e pensar nos irmãos com deficiência (ou atípicos) quando lemos esses tópicos.

O Projeto Irmãos foi criado com o propósito de proporcionar um espaço seguro de compartilhamento entre irmãos de pessoas com deficiência. Possui duas frentes de atuação:

  1. Cuidar e ressignificar sentimentos e ações dos membros do grupo (irmãos). “Respeitando as diferenças. Ressignificando identidades” – como diz o nosso slogan.
  2. Contribuir para uma sociedade mais plural e empática, levando esse olhar para os setores público e privado através de workshops, palestras, rodas de conversas e vivências.

Nos denominamos assim, EMBAIXADORES DA INCLUSÃO.

NO: O público é formado por irmãos de pessoas com diversas deficiências intelectuais ou apenas síndrome de Down?

DG: O grupo é formado por irmãos de pessoas com deficiências intelectuais diversas. Devido à aproximação natural, a maior parte tem irmãos Síndrome de Down, mas temos Síndrome do Espectro Autista, Síndrome de Asperger, Síndrome de Williams, Deficiência Intelectual leve, Paralisia Cerebral, Hemiparesia congênita+ DI (Deficiência Intelectual).

Não temos irmãos de pessoas com deficiência motora, visual ou auditiva, mas seriam todos muito bem-vindos!

NO: Vocês costumam desenvolver bastante ações com diversos projetos, né? Pode falar sobre as ações que fazem?

DG: A metodologia do Projeto Irmãos tem como preliminar a construção em rede. Assim como a ONG Nosso Olhar, acreditamos que somar expertises é a melhor forma de prover bons conteúdos para apaziguar às demandas acima citadas. Temos parceiros nas áreas de Educação Inclusiva (pedagogia da cooperação, educomunicação), Assistência Social, Saúde (Geneticista, Psicólogos, Terapeutas Ocupacionais, Nutrigenetiscistas), pesquisas científicas, comunicação (mediação de conflitos, mindfulness, comunicação não violenta, masculinidade tóxica, publicidade), esporte, lazer, arte, cultura, etc.

Também utilizamos a expertise, riqueza de conhecimentos de cada membro para prover esses workshops e colaborar com a rede.

Esses workshops atingem públicos diferentes podendo ser: 1. Apenas para Irmãos | 2. Para família | 3. Para parceiros (como instituições de ensino, empresas, órgãos públicos).

Temos parceiros em outros estados como Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro e Fortaleza. Estamos sempre pesquisando e fazendo contatos com Instituições internacionais. Sempre que possível encaixo “um programa social” durante as viagens de férias para visitar instituições

      Intersetorialidade entre políticas públicas.

NO: O que você pode destacar como pontos positivos das ações que já fizeram até aqui?

DG: Os workshops fortalecem a rede de confiança e expandem a visão para si e para o outro. Trazem novas oportunidades junto às instituições, além de aproximar profissionais de áreas distintas que muitas vezes geram novas parcerias a partir dos encontros (ou reencontros).

Um dos parceiros inclusive nos deu a oportunidade de começar a escrever uma cartilha sobre o olhar do irmão!

Os encontros do fórum (apenas entre irmãos) em que não há geração de conteúdo específico, apenas um mediador, geram maior empatia e acolhimento. Expõe a vulnerabilidade o que nos torna ouvintes mais íntimos e amigos.

As vivências com parceiros são nitidamente a ampliação de olhar para diversidade. Quando abordamos essas temáticas, através do olhar do irmão, em uma equipe profissional por exemplo, abrimos espaço para falar de sexismo, branquitude, xenofobia, racismo, grupos estigmatizados que precisam ser ouvidos e melhor compreendidos para serem aceitos e terem acesso à isonomia de direitos.

O projeto Irmãos já sérvio de ponte para descobertas, recolocações profissionais, encorajamento às decisões de vida. A atuação vai muito além do foco no irmão, mas em si mesmo para grandes mudanças de vida.

É muito emocionante porque além de beneficiar a sociedade, podemos ajudar diretamente nossas famílias. Um poder e uma maldição, pois viver intensamente tudo isso é um grande desafio!

Outro ponto a destacar é a aproximação e envolvimento de voluntários como a mãe de uma das irmãs que faz lindamente nossas produções gráficas, já tivemos apoio de excelentes produtores de filme, foto, eventos e toda rede citada acima. É um grande movimento do bem.

 

 

NO: Hoje vocês são em quantos irmãos?

DG: Aproximadamente 60.

NO: Como funcionam os encontros, a organização e responsabilidades?

DG: Temos um fórum de WhatsApp formado apenas por irmãos, onde trocamos vivências. Possuímos um grupo “informativo” onde são postados apenas eventos relacionado ao Projeto Irmãos. Ainda no WA temos o grupo #Dicas, onde todos podem contribuir com assuntos pertinentes à inclusão e subcomitês (pesquisa, finanças e adm, políticas públicas, eventos, planejamento estratégico e comunicação).

Realizamos encontros paralelos com esses subgrupos para discussão e planejamento de ações; Encontros para happy hour e atividades de lazer; encontros de discussão e workshops, esses podendo ser virtuais.

Logotipo do Projeto Irmãos

NO: Quais são os planos para o futuro?

DG: 1. Desenvolver dinâmicas com irmãos crianças. Muitos pais nos procuram com essa demanda. Acredito que se eu fosse ouvida quando criança, teria encarado essa experiência de forma mais fluída e com menos deslocamentos ou reações para tentar reconquistar meu espaço. Já estamos trabalhando nessa proposta com uma das irmãs do grupo psicóloga, que trabalha na área infantil da AACD.

  1. Ampliar as intervenções em escolas.
  2. Ampliar as ações para desenvolvimento de projetos de políticas públicas. Há muito pouco nesse sentido. Precisamos explorar mais a LBI – Lei Brasileira de Inclusão Nº13.146/15

NO: Caso algum irmão tenha interesse, como faz para participar?

DG: Pode ser através do projetoirmaos.com.br, Messenger do Facebook, através do https://web.facebook.com/projetoirmaos/ ou Instagram (Projeto Irmãos 2018), me mandar um “zap” ou me ligar no (11) 99670-2771.

NO: Gostaria de deixar algum recado ou falar sobre algo que eu não tenha perguntado?

DG: Sim, sobre os principais desafios nesses seis anos de existência.

  1. Presença dos irmãos de forma geral, mesmo que virtualmente.

Sinto que ainda há algo que falta para apropriação do tema pela rede. Talvez pela intensa rotina de cada membro, somos todos voluntários o que torna a proatividade esporádica ou muitas vezes lentas. Ou até mesmo pela realidade atual não ser a de tutoria, o que pode procrastinar o interesse. O excesso de informações e o fato do principal meio hoje ser através do WA, também enfraquece um pouco a rede.

Respeitamos o momento de vida de cada um, esse é um dos meus maiores aprendizados. Como diria o Edu, irmão do Marcelo “O Sucesso é Inevitável!”. Mas driblar as expectativas é algo complexo.

  1. Participação de irmãos homens.

Talvez pela característica de ainda sermos constituídos por uma sociedade eminentemente machista, não digo pejorativamente, mas do princípio da educação em que o cuidar ainda é matriarcal, pode ser um reflexo. Há irmãos homens bem ativos, mas a maioria são mulheres. Como falamos muito sobre o autoconhecimento, acredito ser um tema que gere maior dificuldade de acesso ao público masculino.

  1. Dificuldade em transformar em um negócio social

Este ainda é um processo. Mas como não temos uma fonte de recursos fixa, a burocracia em manter um CNPJ é grande.

  1. Captação de recursos.

Geralmente fazemos campanhas para ações específicas, um evento, um workshop e os recursos captados são apenas para cobrir os gastos. Estudamos a possibilidade de termos doadores recorrentes, mas como as ações são voluntárias e podem não manter uma periodicidade, ainda não conseguimos estabelecer esse costume no grupo.

Além disso, como disse a gestora da ONG Sibling Leadership Network, em Chicago, as pessoas ainda não enxergam os irmãos como potenciais agentes de transformação. Não entendem porquê doar para irmãos e não para pessoa com deficiência.

  1. Prestação de contas.

Este é um ponto importantíssimo aos colaboradores e membros. Visualizar tudo que foi feito no ano. Há dificuldade de execução devido à sobreposição de tarefas em alguns membros que possuem disponibilidade para contribuir com funções organizacionais.

 

Referências

Envio também algumas referências sobre irmãos.

Livros:

– Simplesmente Irmãos, de Bianca Sturlini, Bruno Guerrino, Carolina Aleoni Arruda, Juliana Barica Righini, Letícia Lelot, Lucia Dini Pereira, Lucinha Cortez, Nancy Costa, Virginia Cardoso;

– O Palhaço e o Psicanalista. Claudio Thebas e Christian Dunker

– Mude seu falar que eu mudo meu ouvir – MUDE SEU FALAR QUE  EU MUDO MEU OUVIR. Associação Carpe Diem

Carolina Yuki Fujihira (Org.), Ana Beatriz Pierre Paiva, Beatriz Ananias Giordano, Carolina De Vecchio Maia, Carolina Reis Costa Golebski, Claudio Aleoni Arruda, Thiago Rodrigues

– Tenho um Irmão Diferente. Vamos Conversar sobre isso? Mina Regen e MArilena Ardore

Artigo:

– Sempre aceitei a minha irmã como ela é». Como é a vida de quem tem um irmão com deficiência: https://www.noticiasmagazine.pt/2017/irmaos-que-cuidam/

Vídeos/Filmes

– Série Atypical – Netflix

– Fasten Your Seatbelt: A Crash Course on Down Syndrome for Brothers and Sisters.  (Prenda seu cinto de segurança: um curso intensivo sobre Síndrome de Down para irmãos e irmãs. – Dr. Brian Stotko –  http://brianskotko.com/publications/

– Depoimentos Projeto Irmãos:

Versão reduzida: https://www.youtube.com/watch?v=TKZFlON0M-A&t=3s

Versão completa: https://youtu.be/6HWfGo3lbkQ

Internacionais

www.siblingsupport.org

https://siblingleadership.org/

Dr. Brian Stotko – geneticista, diretor de um programa em Massachusetts, voltado para Síndrome de Down e crianças com deficiências cognitivas:  http://brianskotko.com/ | https://www.youtube.com/user/downsyndromesibbook

 

 


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